Rego as flores do meu quintal
Como se a água fosse ar
nela misturo sangue venal
solto o pulmão nesse respirar
Desperto numa fusão de cheiros
num gesto de quem ama
as planto por esses canteiros
onde tudo o mais derrama
Dispostas ao acaso as flores
num intenso colorido de quadro
despontam de todas as cores
como sagradas em qualquer adro
Se falho na têmpera de jardineiro
com flores planto o irreal
liberto-as nesse cativeiro
que ainda é o menos artificial
Todas as flores têm direito
ao seu talhão de terra
fiz-lhes este poema a jeito
onde mão nenhuma as desenterra
As flores...
roubei-as em qualquer postal
só não sei que é feito
desse meu quintal...
Ser poeta por uma hora é
Ganhar tempo a olhar para a Terra a girar sobre si
ser ingénuo como uma criança que ri do mundo vão
dar um sorriso a quem não o tem
Apurar o ouvido para o silêncio da nuvem que desliza
admirar o compasso de um carreiro de formigas
descobrir o esconderijo do eco
Achar que tudo é importante até a dureza das pedras
olhar, pasmado, a imensidade de coisas de nada
e escrever uns versos que começam assim:
Ser poeta é tirar o véu à realidade
e descobrir a poesia que nela há
Ser poeta por uma hora é ver o mundo
de fora para dentro...